Mais de mil cidades em todo o Brasil estão vivendo sob uma seca severa ou extrema. A falta de chuva alastra o fogo pelo país, que teve o maior número de incêndios dos últimos dez anos. No Amazonas, que tentava se recuperar de uma seca histórica, comunidades já estão isoladas e a ordem é estocar alimentos. O ar está tão seco que mais da metade das cidades brasileiras estão em alerta.
? O ano de 2023 foi de recordes de calor e com chuva abaixo da média, reflexo do El Niño e do aquecimento dos oceanos. O fenômeno já acabou, mas seus efeitos continuam: os primeiros seis meses do ano foram de recorde de calor e a chuva ficou abaixo da média na maior parte do país, com exceção do Sul.
?? Tudo está interligado. A falta de umidade pela seca que castigou a região Norte no ano passado, tem um efeito cascata: a umidade que deveria estar no Norte e que seria transportada para o resto do país deixou de existir. Com isso, a seca se alastrou (entenda mais abaixo).
?? Segundo os dados do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao governo federal e que monitora a estiagem pelo país, 1.024 cidades estão sob a classificação de seca entre extrema e severa (a mais alta da escala).
O número é quase 23 vezes maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando 45 cidades estavam nesses níveis de seca. (Veja mapa comparativo abaixo)
O monitoramento classifica as cidades em quatro categorias de seca: extrema, severa, moderada e fraca. Ao todo, mais de três mil estão em alguma classificação de seca.
Veja abaixo a situação na sua cidade:
Os estados mais afetados são Amazonas, Acre, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, São Paulo e Tocantins. Neles, todas as cidades estão sob alguma classificação de seca.
A estiagem vem afetando o abastecimento, isolando regiões que dependem do transporte por rio, causando prejuízos na agricultura e pecuária pelo país e tornando o ar difícil de respirar.
? Segundo o monitoramento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), este ano é o maior em registros de focos de incêndio no país nos últimos 10 anos (veja abaixo).
“A seca que estamos vendo é quase generalizada, afetando vários estados. Tivemos um início de ano com chuva muito abaixo da média do Norte ao Sudeste e isso nos trouxe um cenário pior do que o que vivemos no ano passado e as consequências já estão sendo vistas, desde o desabastecimento em algumas regiões até impactos no setor agropecuário”, explica o pesquisador de secas do Cemaden, Marcelo Zeri.
No Sudeste, a situação mais crítica está em São Paulo e no Espírito Santo. Nos dois estados, todas as cidades estão sob alguma classificação de seca, de extrema e fraca.
São Paulo registrou em junho o pior índice de focos de incêndio dos últimos dez anos. Com a vegetação mais seca, as chamas se alastram. Com isso, a umidade do ar fica baixa, trazendo riscos para a saúde da população.
O volume do Sistema Cantareira, que abastece milhões de pessoas em São Paulo, está em 63%, o que é considerado bom. No entanto, os especialistas dizem que é preciso cautela já que a seca que se estabeleceu deve perdurar por meses.
Rio Piracicaba com nível e vazão abaixo da média — Foto: Claudia Assencio/g1
Em Itu, no interior paulista, a prefeitura decretou intervenção nos reservatórios particulares por causa da estiagem. Já Piracicaba está em situação de alerta por causa do baixo nível de água dos rios.
No Espírito Santo, a seca que castiga as cidades fez baixar o nível dos reservatórios. O estado está sob alerta e já enfrenta consequências no abastecimento e na produção agrícola. As safras de café, leite e derivados tiveram prejuízos milionários.
A situação também é de alerta no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mais de 90% das cidades estão em situação de seca. No estado mineiro, cerca de 20% dos municípios estão em situação de emergência, com problemas de abastecimento.
Pantanal teve nove estádios em chamas por minuto em junho — Foto: Araquém Alcântara
? No Mato Grosso e Mato Grosso do Sul a seca se traduziu em chamas. Os estados abrigam o Pantanal, bioma que tem a maior planície alagável do mundo. No entanto, o rio Paraguai, o principal do bioma, enfrenta o nível mais baixo de água já visto nos últimos quase 60 anos.
Com isso, o fogo avançou sobre a vegetação, que teve o pior cenário de incêndio desde 1998, pelo menos – ano em que o Inpe começou a monitorar a área. O incêndio consumiu uma área equivalente à de nove campos de futebol por minuto.
No Mato Grosso do Sul, o rio Perdido, que tem quase 300 quilômetros de extensão, virou um caminho de areia, sem água em vários trechos. O rio é importante para o abastecimento de centenas de famílias e também suporte da produção agrícola, que já dependem de caminhão-pipa.
Foto mostra peixe morto após seca do rio Perdido em Caracol (MS) — Foto: Thalyta Andrade/
O Norte, que tentava se recuperar da pior seca em 40 anos, vive novamente um período de estiagem. Com a região já vulnerável, seca e sem água, a estiagem ganhou força.
? Muito antes do que se viu acontecer no ano passado, rios estão secando. No Amazonas, 19 rios receberam neste ano menos água do que 2023, o que indica que a descida pode ser mais severa. Há mais de 10 mil pessoas afetadas pela crise, comunidades isoladas e o governo tem emitido alerta para as pessoas estocarem comida (leia mais aqui).
Nível do Rio Negro em Manaus, nesta quinta-feira (11). — Foto: Fonte: Porto de Manaus
Governos do Acre e de Rondônia decretaram situação de emergência pelo baixo nível dos rios. A região vem enfrentando meses sem chuva e altas temperaturas, o que piora a situação hídrica. O calor aumenta o processo de evapotranspiração, que é a transformação da água em vapor, levada para a atmosfera.
Os dois estados já enfrentam problemas de abastecimento em algumas regiões e impactos no setor agrícola.
A previsão dos meteorologistas é de que a situação da seca seja mesmo mais intensa do que a vista em 2023.
?? Para se ter uma ideia, em junho do ano passado, quando começava o período de estiagem, eram 45 cidades com classificação de seca extrema e severa.
?O número é mais de 20 vezes menor do que o observado no último mês, em que mais de mil cidades foram impactadas nas duas piores classificações de seca.
Seca fica mais intensa e extensa no Brasil — Foto: Arte/g1
? A previsão de seca é feita pelo Cemaden mensalmente e, depois, atualizada ao fim de cada mês para o que, de fato, aconteceu. Neste mês, até o dia 19 a previsão mantinha 1.095 cidades em classificação de seca extrema e severa. Segundo os pesquisadores, a situação grave vem se confirmando.
?? Você pode se perguntar: os meteorologistas anunciaram o fim do El Niño em junho, por que então ainda estamos vivendo seca?
A resposta continua sendo o fenômeno, que se somou a outros fatores como as águas mais quentes do oceano e as mudanças climáticas, que aqueceram mais as cidades. Com isso, sua intensidade ganhou outras potências e a previsão é de que ainda vamos ouvir sobre suas consequências por algum tempo.
Esse cenário meteorológico trouxe, em 2023, uma seca que foi a pior dos últimos 40 anos não só no Amazonas, mas também no Pará, Acre, Amapá, Maranhão, Piauí, Bahia e Sergipe.
?? O Norte do país é importante para definir a umidade e a chuva pelo Brasil por causa da Amazônia. Ela funciona como um grande bolsão de umidade, que chega do oceano pela Foz do Amazonas e circula pela Amazônia, que empurra esse ar úmido para o restante do país.
Sem isso, o país enfrentou um longo período de estiagem e não conseguiu se recuperar. Isso faz com que a seca que estamos vivendo agora seja mais intensa e extensa.
Gráfico como a umidade se espalha pelo Brasil — Foto: Arte/g1
Agora, o cenário pode mudar com a chegada da La Niña, que tem o efeito contrário do El Niño, e pode reforçar a formação de chuva e minimizar a estiagem pelo país.
?? No entanto, ela deve começar em agosto e para que tenha impactos significativos precisa ser intensa.
Ainda assim, a previsão é de que, com a sua chegada, a situação só seria minimizada em seis meses.
Fonte: g1