O diretor, escritor, ator e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa morreu aos 86 anos nesta quinta-feira (6), em São Paulo. Ele estava internado no Hospital das Clínicas, na capital paulista, após um incêndio atingir o apartamento onde morava, no bairro do Paraíso, na madrugada de terça (4).
Um dos mais importantes expoentes do teatro brasileiro, Zé Celso criou o Teatro Oficina e dirigiu peças relevantes como “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, e “Roda Viva”, de Chico Buarque.
Outros três moradores do apartamento também tiveram de ficar em observação no hospital devido à inalação de fumaça, entre eles o marido de Zé Celso, Marcelo Drummond.
O cachorro Nagô também foi levado a uma clínica veterinária para observação.
José Celso Martinez Corrêa nasceu em Araraquara, no interior do estado de São Paulo, em 30 de março de 1937.
Se mudou para a capital paulista e estudou Direito na Universidade de São Paulo (USP) entre 1955 e 1960.
Lá, integrou o grupo de teatro da faculdade, onde conheceu outros artistas com quem fundou, em 1958, o Grupo Oficina.
Entre algumas peças dos primeiros anos do grupo estão “Vento forte para papagaio subir” (1958), “A incubadeira” (1959) e “Os pequenos burgueses”, de Máximo Górki.
Em 1966, porém, um incêndio atingiu o Teatro Oficina, que precisou ser reformado.
Após a reconstrução, em 1967, Zé Celso fez a montagem de uma peça que o consagrou como um dos grandes nomes do Tropicalismo brasileiro na dramaturgia: “O Rei da vela”, escrita por Oswald de Andrade.
Em 1968, dirigiu outra de suas mais famosas peças: “Roda Viva”, com texto de Chico Buarque.
O diretor de teatro José Celso Martinez Correa, ou Zé Celso, durante entrevista realizada na capital paulista.
Crédito: MILTON MICHIDA/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
Com fama e relevância crescente, o dramaturgo precisou se exilar em 1974, durante a Ditadura Militar.
Zé Celso foi para Portugal, onde fez dois documentários: “O parto”, sobre a Revolução dos Cravos, e “Vinte e cinco”, sobre a independência de Moçambique.
Apenas em 1978 ele retornou para São Paulo, começando um movimento para manter aberto o Teatro Oficina.
Rebatizado como Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, o local foi tombado em 1982 e reinaugurado em 1983.
O novo espaço precisou de mais 10 anos para ser concluído, tendo projeto arquitetônico de Lina Bo Bardi.
Icônico pela distribuição interna, o Teatro Oficina possui um largo corredor e “andaimes”, nos quais os artistas muitas vezes se equilibram durantes peças. Em alguns projetos, a arte deixa o teatro e invade a rua próxima.
As peças “O Rei da vela” e “Roda Viva” foram adaptadas e reapresentadas em 2017 e 2019, respectivamente.
Em 1987, o único irmão de Zé Celso, Luís Antônio Martinez Corrêa, foi assassinado. Ele também era diretor e ator, estando em ascensão quando faleceu.
Zé Celso e Marcelo Drummond estão juntos desde 1987, mas oficializaram a união somente no início do mês passado, 36 anos depois.
A cerimônia aconteceu no Teatro Oficina, na presença dos membros da companhia e outros convidados.
Entre os presentes estavam as cantora Daniela Mercury e Marina Lima, que se apresentaram na cerimônia, o maestro João Carlos Martins, o deputado estadual Eduardo Suplicy, o ator Alexandre Borges, a atriz Bárbara Paz e outros.
“Rito histórico que celebrou a união mais que fértil deste casal babadeiro do Teatro Brasileiro! Gentes de todas as gerações que passaram pelo Oficina desde o início estavam lá! E que continuem gerando muitos frutos que gerem ainda mais frutos! Os filhos dos filhos dos filhos dos filhos dos nossos filhos verão!”, escreveu um registro no perfil oficial do Teatro.
A companhia teatral liderada por Zé Celso é uma das principais e mais longevas da história do país. A sede homônima é tombada como patrimônio histórico nas esferas municipal, estadual e federal.
O Teatro Oficina foi formado em 1958 por um grupo de estudantes da Faculdade de Direito da USP, do Largo São Francisco. Entre eles, além de Zé Celso, Amir Haddad, Renato Borghi, Fauzi Arap, Ítala Nandy, Etty Fraser e outros.
Em 1961, a companhia se estabeleceu na tradicional sede, até então do Teatro Novos Comediantes, na rua Jaceguai, na região do Bixiga, em São Paulo.
Como relembra o portal “Memórias da Ditadura” (projeto realizado pelo Instituto Vladimir Herzog), na primeira fase da ditadura, o Oficina “fez montagens políticas, procurando tirar o público de sua posição de conforto. Os espetáculos cobravam uma participação ativa da plateia, chegando a provocar incômodos”.
O teatro fechou temporariamente, em 1966, após ser completamente destruído internamente por um incêndio. Zé Celso e o teatro sempre denunciaram a autoria do episódio a grupos paramilitares, que ameaçavam o setor cultural da época.
O incêndio foi a ignição que impulsionou a reabertura do Oficina, reconstruído, em 1967, com a montagem da peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, que virou marco transgressor da época e lançou a companhia ao tropicalismo.
No ano seguinte, uma das principais montagens da história do Oficina é feita: a primeira obra para teatro de Chico Buarque, “Roda Viva”.
“O grupo traz [em “Roda Viva”] uma encenação carregada de crítica social e possibilidades de subverter as práticas do palco e enfrentar as instituições políticas repressivas da época”, pontua a enciclopédia do Itaú Cultural.
Zé Celso foi detido em 1974 e se exilou em Portugal, retornando ao Brasil em 1979. Nesse período, o grupo ficou inativo.
Ao longo da década de 1980, nos últimos anos do regime militar, o Oficina focou na realização de oficinas, leituras e eventos de pequeno porte e pesquisas para novos rumos do grupo, se afastando das grandes montagens anteriores ao exílio de Zé.
Também nessa época, a sede e companhia passa a se chamar Teatro Oficina Uzyna Uzona e é iniciado o projeto de reforma arquitetônica pelos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito, que se mantém até os dias de hoje.
O projeto de Bo Bardi e Elito foi considerado por críticos de arquitetura do jornal The Guardian, em 2015, o melhor teatro do mundo: “Um espaço longo e estreito, semelhante a uma rua, na carcaça queimada de um antigo teatro, vigiado por uma parede de galerias construídas com andaimes.”
A partir de então, o grupo se dedicou muito à adaptação de textos originais adaptados à realidade política e social de momento do país, “em benefício da incorporação de material autobiográfico, dos integrantes ou do próprio Oficina” – um movimento de “antropofagia orgiástica” ou “tragicomédiaorgya”, como define Zé Celso.
Em 2017, o grupo remontou “O Rei da Vela”, trazendo o fundador do Oficina Renato Borghi de volta ao papel do protagonista Aberlado I. Em 2019, Roda Viva também foi remontada em uma temporada de ingressos esgotados.
Errata: publicamos que Zé Celso morreu aos 87 anos e corrigimos para 86.